Yoga e Umbanda: um paralelo
- Paola Alarcon
- 14 de jun. de 2023
- 5 min de leitura
“Mediunidade e magia são dois dos pilares sustentadores da Umbanda e sem eles, ela não seria o que é: um grande pronto-socorro espiritual. Estudar a Umbanda é mergulhar no mundo dos mistérios divinos que a fundamentam e a sustentam como religião popular, criada justamente para acolher o grande número de pessoas possuidoras de mediunidade, mas que não se adaptam ao Espiritismo ou ao Candomblé. (...).”
Rubens Saraceni

Poderia descrever a mediunidade ou canalização também como um dos pilares do Yoga, já que ao entrarmos em estado de dhyana (concentração), nos tornamos mais perceptíveis, acessando e percebendo o extra-sensorial, ativando o sexto sentido, correspondente ao sexto chakra, ajna, o canalda intuição. E mais, sobre a magia, também não teria como não comparar a filosofia do Yoga, essa que trata até dos chamados “super-poderes”, os siddhis narrados nos textos clássicos, versando sobre a magia de como esse refino e poder de concentração da mente à serviço da Consciência faz manifestar tudo aquilo dentro da Vontade.
O trecho ainda traz outros paralelos com a filosofia indiana, como o “mergulho no mundo dos mistérios divinos” e acho bem adequado refletir sobre como o Yoga também é um caminho que acolhe pessoas que buscam acessar e compreender espiritualidade mas não tiveram muita adaptação com a ritualística das outras formas de perceber a divindade.
As duas tradições quebraram meu ceticismo ao meio. Iniciei a prática de Yoga sem muita crença em Deus ou qualquer outro nome que possamos dar ao que os sutras colocam como Ishvara pranidhana. Mas, como o próprio mestre Iyengar conta em seu livro Luz na Vida, podemos até começar a prática do Yoga sem nos envolvermos com uma crença na divindade, mas naturalmente, isso vai se desenvolvendo no decorrer do tempo. E foi bem assim que aconteceu.
Ao fazer esse estudo, encontrei alguns achados falando que a Umbanda é a psicoterapia dos humildes, e de fato, assim me parece ser mesmo. Um aconselhamento pelo silencio, onde não falamos muito mas ouvimos bastante. Assim como na prática das posturas, percebo meu corpo ser o portador desse aconselhamento. Ao executar um asana atenta, percebo as partes de mim que estão mais arredias, desencaixadas em desalinho, dukkha, sofrimento.
Dentro dessa costura, a partir de uma percepção pessoal, vejo como o arquétipo de Iemenja me salvou tanto quanto o Yoga, em diferentes momentos de muita descrença e falta de acolhimento. O Yoga, pela ótica do tantra, é matriarcal. A figura de uma Mãe, uma Grande Mãe, um feminino forte que também é acolhedor, é emergencial nos dias de hoje. E, além desse acolhimento, esse arquétipo me faz entender o teor e impacto de nossas águas, emoções e sentimentos expressos pelo mar: ora profundo e turbulento, ora pacífico e raso. Assim, se faz o caminho do discipulado, se faz o caminho do Yoga na disciplina de ser discípulo de Si-Mesmo e autoconhe-Ser.
E quanta riqueza de compreensão simbólica e arquetípica não trazem os orixás e as deidades, yantras, animais e contação de histórias, dentro das duas vertentes de religare. São formas de conexão e redenção por vezes bem lúdicas, trazendo uma leveza da carga das palavras e um foco maior no sentir e no respirar. Por meio dos símbolos, principalmente.
No livro Filosofias da Índia, do autor Zimmer, ele fala que é bem importante a filosofia indiana ser contada por meio da descrição floreada e poética dos épicos. Da ritualística dos pujas e mantras... pois de fato, é uma filosofia a ser sentida de um outro lugar, muito pouco racional como são as vertentes do ocidente. Quando trazemos uma nova forma de compreensão dentro de um símbolo, de um lugar mais abstrato, cada pessoa consegue compreende-la à sua maneira, de forma autêntica, pela experimentação.
Yoga e Umbanda, são formas de compreensão da divindade através dos muitos simbolos em que essa divindade pode se desdobrar (jivatman), mas principalmente ao observar como funciona a manifestação da matéria por meio do aprendizado da natureza. No samkhya, a gente pode fazer uma analogia ao mencionar os tattwas (traduzidos como princípios) sendo prakriti, a matéria, a causa primeira e os seus mahabhutas, os cinco principais elementos da matéria (terra, água, fogo, ar e éter) e os chakras como correspondentes a manifestação dos mahabhutas em prakriti. Na umbanda os orixás associam-se aos elementos da natureza mais figurados como as matas (Oxossi), as cachoeiras (Oxum), tempestades (Iansã) e assim seguem. São representações da divindade em forças naturais, em que é possível senti-las e experiência-las.
Ainda, há um trabalho de invocação por meio da musica, do canto, do movimento do corpo. Cada ponto de umbanda chama um orixá, assim como cada mantra chama uma divindade ou pede por uma bem aventurança que traga luz e compreensão à nossa mente pragmática, muitas vezes fixada em limitações e condicionamentos que aprisionam e cegam.
A umbanda é uma forma de religare que também reconhece a vida terrena como sagrada, diferente de muitas religiões que condenam o prazer do corpo. Assim se faz na gira de esquerda, em trabalhos que os orixás Exu e Pomba Gira, tratam das questões mais terrenas. O mesmo, na visão do Tantra Yoga, se dá por honrar e não negar esse corpo – veículo de manifestação da Consciência. Afinal, estamos aqui também para sermos felizes, ou ao menos aceitar o momento de encarnação e aprendizado, como propõe santosha.
É interessante também observar a estrutura da trindade hindu Brahma, Vishnu e Shiva, expressa nos seus orixás. O livro Umbanda Esotérica de Magno Oliveira, traz a seguinte correspondência: Obatalá o criador, Oxalá o que mantém e Ifá, aquele que transmuta. Ainda, o livro fala sobre a Umbanda, assim como o Yoga, ser uma forma de prática iniciática e segue dizendo a respeito da iniciação:
“A chave mestra que abre as portas da iniciação nos mundos superiores é a seguinte: Todo o conhecimento procurado com o único fito de aumentar e enriquecer o tesouro dos teus conhecimentos pessoais, desviar-te-á da tua rota, mas todo o conhecimento procurado para te aperfeiçoares no sentido de servir a humanidade e à evolução universal, te fará avançar um passo. A verdade deste ensinamento está encerrada nessa breve sentença: Toda ideia que não se tornar um ideal, mata em tua alma uma força, mas toda ideia que se tornar um ideal, faz surgir forças vitais no teu ser.”
Assim enxergo o Yoga e toda prática de samyama em concentrar mais e mais em menos e menos. O ideal é e sempre foi um só: samadhi, a libertação dos condicionamentos e ilusões. A sublimação de nossos vrtts (oscilações da mente) nos faz compreender essa parte que sempre está presente e disponível, esse fluxo de energia vital que conseguimos sintonizar em nosso ser quando estamos constantemente vigilantes sobre nossos pensamentos, e fazendo da nossa vida uma constante prática de Yoga ao trazer os Yamas e Niyamas em nossas relações e cotidiano.
O Yoga da Umbanda é sobre colocar-se de encontro com o mistério. É sobre se abrir e perceber a si mesmo como parte de uma natureza rica e diversa. O Yoga da Umbanda é iniciação, é entrega, é ritualística. É em silêncio, é em oração, é em aconselhamento pelo simbólico. É em prática de devoção, de oferenda. É operar magia e saber que todo e qualquer direcionamento que podemos dar para nossa mente, tem de ser ao bem comum. É Karma Yoga, é desinteresse nos frutos e foco na caridade, no coletivo. É um chamado maior em ser um bom discípulo para compartilhar com os demais os frutos (e inúmeros são) dentro dessas escolas. Aqui, honro as duas tradições.
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